O sussurro que estava perdido na tradução
Por Alexandre Inagaki ≈ quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
Uma das melhores obras produzidas pelo cinema hollywoodiano nos últimos anos foi Lost in Translation, roteirizado e dirigido por Sofia Coppola em 2003. O filme é protagonizado por um homem e uma mulher que passam alguns dias no Japão, e acabam se encontrando por acaso no hotel em que estão hospedados. Um deles é Bob Harris (Bill Murray), ator cuja carreira está em decadência, e que se encontra no Oriente a fim de gravar um comercial de uísque. A mulher é Charlotte (Scarlett Johansson), uma jovem graduada em Filosofia que acaba parando no Japão para acompanhar o marido, um fútil fotógrafo de celebridades.
Tal qual Mersault, personagem do famoso livro de Albert Camus, Bob e Charlotte são estrangeiros não apenas por causa do deslocamento espacial, mas também por suas próprias vidas: sentem-se desconfortáveis em seus respectivos casamentos, padecem com a falta de perspectivas profissionais e, especialmente, a dificuldade em expressar sentimentos. Após uma noite insone na qual encontram-se no bar do hotel e começam a conversar, os personagens de Bill e Scarlett tornam-se amigos e passam a compartilhar uma série de situações aparentemente banais, como jantar em um restaurante japonês, cantar desafinadamente num karaokê ou simplesmente caminhar pelas ruas infestadas de neons da capital nipônica.
E no entanto, são essas cenas o ponto forte de Lost in Translation, um título perfeito para um filme que, infelizmente, não ganhou traduções à altura (enquanto no Brasil o conhecemos pela alcunha de Encontros e Desencontros, em Portugal o filme ganhou um título mais infeliz ainda: O Amor é um Lugar Estranho). Porque essas seqüências que relatam situações cotidianas apresentam diálogos entremeados por aqueles momentos de silêncio que de quando em quando pairam entre duas pessoas. Você percebe o quanto se sente bem com alguém quando é capaz de permanecer calado sem o incômodo dos silêncios desconfortáveis, e o filme de Sofia Coppola traduz com felicidade esses iluminados instantes. E assim, paulatinamente o espectador de Lost in Translation testemunha a evolução do relacionamento entre duas pessoas que, apesar da distância de idades e interesses, transforma-se em algo além de uma amizade passageira, sem que seja preciso explicitar esse momento por meio de diálogos pueris ou declarações arrebatadas. Continue Lendo